domingo, 15 de novembro de 2009

Variações sobre um tema de Mozart (fragmentos), João Silvério Trevisan

“Acho que tá na hora.

A gente sabia que ia ser duro. Sabia não sabia?

Você sabe, essas coisas sempre têm fim. Quer dizer, o amor. Tudo um dia tem que acabar. Nem a vida é eterna, apesar de ser bom estar vivo.

Tá bom, tá bom. Com o tempo a gente vai se esquecer, é verdade. As cartas vão diminuindo, os telefonemas ficando mais curtos. Mas e daí? É assim mesmo. Você vai se arranjar sem mim. A vida continua.

Afinal, nós não somos os únicos. Todos os dias, no mundo inteiro, há milhares de histórias de amor se acabando. E outras milhares começando. Vida e morte, tudo junto. As coisas são assim mesmo.

Sou péssimo para consolar as pessoas.

Vai doer muito, eu sei. Aquelas noites em que a gente não consegue dormir, em que o corpo inteiro dói de solidão. E a gente, de noite. Geme que nem cão sem dono.

A solidão vai ficando tão imensa que chega uma hora e a gente não tem mais para onde ir. Ela toma todo o espaço, invade tudo. Dá saudade de ver aquela praça, tomar aquele sorvete, ouvir... Qualquer coisa dói de solidão. E a gente fica com a impressão de que o mundo vai encolhendo. Que o nosso espaço é esse quarto, porque isto aqui acaba sendo tudo o que sobrou. Então vem aquele sufoco, de tão apertado é o espaço que sobrou.

É bom você estar preparado. Estar preparado para quando chegar aquela noite desgraçada, fria, molhada e mais escura do que todas as outras. É quando a gente implora por um pequeno carinho.

Por um longo tempo pensou na solene e melancólica clarineta de Mozart, no amor deles, na saudade.

Ouviu ruídos que lhe pareciam longínquos.

Passos que se afastavam.

Uma porta se fechando.

Depois outra, mais longe.

Uma chave girando.

O portão batendo.

Algo vago como um carro.

Motor distanciando-se, sumindo.

Silêncio.

Pensou: só Deus sabe como sobrevivi. Pensou já sem lágrimas nos olhos, mas para sempre inconsolável, filho da desesperança e da dilacerante realidade que emergiu daquele momento – daquele momento em que um sonho tão bom e tão raro como o amor - se acaba."


Mozart, Concerto para clarineta 2º movimento

http://www.youtube.com/watch?v=BxgmorK61YQ

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