O final de semana foi calmo e de arrumações aqui em casa. Alguns objetos ganharam uma nova colocação e a voz da Nina Simone deu o tom no ambiente e na deliciosa pasta preparada especialmente por (e para) mim. Juntem-se a isso um bom um vinho e um telefonema inesperado e o resultado é a tranqüilidade e paz há algum tempo almejada.
Passei na locadora e procurei por dois filmes que me fizessem dar uma pensada em algo além da minha própria vida: Katyn e Foi Apenas um Sonho foram os escolhidos. O segundo eu ainda não vi, já o primeiro trouxe à tona mais uma vez a estupidez humana e me fez retomar minha descrença nesse mundo paradoxalmente belo e cruel. Engraçado que coincidiu com o pensamento do Ney Matogrosso publicado hoje na Folha de São Paulo: “Eu não sou uma pessoa satisfeita com o mundo a que assisto. Acho esse mundo em que a gente vive ignóbil. Credo! Dá vergonha de ser humano. E seres humanos que se acham o ápice da criação? Puta que os pariu! Vamos ver apenas um jornal da noite para ver do que o ápice da criação é capaz.”
As palavras do cantor podiam ter sido ditas por mim após ter assistido ao filme Katyn (idem, Polônia, 2007). A película dirigida pelo sempre importante Andrzej Wajda é de uma violência atroz. O episódio, que dá título ao filme, foi a execução de milhares de prisioneiros de guerra e que durante muito tempo foi vinculado aos alemães nazistas. Mais tarde, através de documentos recuperados, foi comprovado que o regime político da antiga União Soviética era o grande responsável pelo massacre.
O filme vai justamente reconstruir trajetórias de alguns envolvidos numa espécie de paralelo com as tragédias gregas. É evidente e ao mesmo tempo emocionante a aproximação feita com a lendária Tróia destruída pelos gregos. As mulheres polonesas se amalgamam de modo doloroso a Hécuba, Andrômaca, Cassandra... Magistral como a sutileza de Wajda nos mostra que os crimes de guerra não nos ensinam nada, pelo contrário, parecem apenas reforçar a irracionalidade humana. Além de As Troianas, Katyn flerta ainda com o mito de Antigona. Aqui a aproximação é bem mais explicita – tanto na história das irmãs que encaram de modos distintos a morte do irmão, quanto na cena em que o público se depara com um cartaz de uma montagem da tragédia sofocliniana.
O desfecho já conhecido por todos é revelado sem sutilezas, sem abreviações. Andrzej Wajda não realizou apenas um filme sobre um episódio histórico. Ele nos força a sermos cúmplices não só daqueles assassinatos, mas também dos massacres diários vividos por qualquer povo ignorado por seus governantes e sistematicamente dizimado por uma política de exclusão. Ou alguém acha que ignorar solenemente a miséria, a desigualdade e a impunidade não nos faz também tão absurdamente violentos e cruéis?
link oficial do filme:
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