terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O professor na época da internet, por Umberto Eco

Na avalanche de artigos sobre o comportamento agressivo e violento nas escolas (bullying) li sobre um episódio que não definiria assim, mas, no máximo, de impertinência – e, todavia, se trata de uma impertinência significativa. Pois bem, dizia-se que um estudante, para provocar o professor, teria lhe perguntado: “Desculpe, mas na época da internet, o senhor para que serve?”
O estudante estava dizendo uma meia-verdade, que, aliás, até os professores dizem há pelo menos 20 anos, isto é, que antigamente a escola tinha de transmitir formação, mas, sobretudo noções da tabuada no ensino fundamental I à capital do Madagascar no fundamental II, até a Guerra dos Trinta Anos no ensino médio. Com o advento, nem vou dizer da internet, mas da televisão ou do rádio, e talvez já com o do cinema, boa parte dessas noções eram absorvidas pelos estudantes ao longo da vida extra-escolar.
Meu pai, quando pequeno, não sabia que Hiroshima ficava no Japão, que existia Guadalcanal, e da Índia sabia o que o escritor Salgari lhe contava. Eu, desde a época da guerra, aprendi essas coisas com o rádio e com os mapas nos jornais, ao passo que meus filhos viram na televisão os fiordes noruegueses, como as abelhas polinizavam as flores, como era um tiranossauro Rex; enfim, um garoto de hoje sabe tudo sobre o ozônio, sobre os coalas, sobre o Iraque e o Afeganistão. Talvez esse garoto não saiba dizer direito o que são as células estaminais, mas já ouviu falar delas, ao passo que nos meus tempos nem a professora de ciências naturais nos falava sobre isso. Mas então para que servem os professores?
Afirmei que o que o estudante falava era apenas uma meia-verdade porque o professor além de informar tem de formar. O que faz de uma classe uma boa classe não é o fato de que ali se aprendam datas e dados, mas sim que ali se estabeleça um diálogo, um confronto de opiniões, uma discussão sobre o que se aprende na escola e sobre o que acontece fora dela. Claro, o que acontece no Iraque a televisão nos conta, mas por que motivo sempre acontece alguma coisa por lá, desde os tempos da civilização mesopotâmica, e não na Groenlândia, só a escola pode dizer. Os meios de comunicação nos dizem inúmeras coisas e nos transmitem até valores, mas a escola deveria saber discutir a maneira como nos são transmitidos e avaliar o tom e a força das argumentações desenvolvidas no papel impresso e na televisão. E depois há a verificação das informações transmitidas pela mídia: por exemplo, quem, a não ser aquele professor, pode corrigir as pronúncias erradas daquele inglês que cada um acredita aprender da televisão?
Mas o estudante não estava dizendo ao professor que não precisava dele porque agora são o rádio e a televisão a lhe dizer onde fica Timbuctu ou que se discutiu sobre a fusão a frio, ou seja, não estava lhe dizendo que seu papel tinha assumido por discursos que circulam de maneira casual e desordenada, dia após dia, pelos diversos meios – e que sabermos muito sobre o Iraque e pouco sobre a Síria depende da boa ou má vontade de Bush. O estudante estava dizendo que hoje existe a internet, a Grande Mãe de todas as Enciclopédias, onde se encontram a Síria, a fusão a frio e a discussão infinita sobre o mais alto dos números ímpares. Estava lhe dizendo que as informações que a internet coloca à sua disposição são mais amplas e não raro mais aprofundadas que aquelas que o professor dispõe. E descuidava de um ponto importante: que a internet lhe diz “quase tudo”, exceto como procurar, filtrar, selecionar, aceitar ou recusar aquelas informações.
Armazenar novas informações, desde que se tenha uma boa memória, é coisa que todos conseguem. Mas decidir quais delas devem ser recordadas e quais não devem é arte sutil. Isso faz a diferença entre quem seguiu um curso de estudos regulares (ainda que mal) e um autodidata (ainda que genial).
O problema dramático é que talvez nem sequer o professor saiba ensinar a arte da seleção, ao menos não sobre todo o capítulo do saber. Mas, ao menos, sabe que deveria saber; e se não sabe dar instruções precisas sobre como selecionar, pode dar o exemplo de alguém que se esforça para comparar e julgar o que a internet coloca à sua disposição. E, enfim, pode encenar o esforço para reorganizar em sistema o que a internet lhe transmite em ordem alfabética, dizendo que existem Tamerlão e os monocotilédones, mas não mostrando a relação sistemática entre essas duas noções.
A dar o sentido dessas relações só pode ser a escola, e se não souber fazer isso deverá se instrumentar para tanto. De outro modo, o “iie”, de internet, inglês e empresarial, será apenas a primeira parte de um zurro de asno que não alcançará o céu.

Um comentário:

Breno Massena disse...
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