terça-feira, 26 de maio de 2009

cenas de um casamento... cenas de uma vida...

Acabei de assistir a um debate furioso sobre as relações humanas intitulado: “Cenas de um casamento”. Filme-documentário ou documentário-filme? Sei lá, aliás, não tem importância nenhuma rotular intenso diálogo sobre as venturas e desventuras de se viver junto a alguém.

Várias coisas me impressionaram ao longo dos 299 minutos de filme: a força das interpretações, a magnitude dos diálogos, a agressividade necessária dos close-ups etc. Mas o que me impressionou mesmo foi saber que o este filme foi produzido e exibido na TV sueca no início dos anos 70! Como assim? A televisão sueca há mais de trinta anos exibia algo tão sofisticado em termos de discussão sobre o ser humano e aqui no Brasil insistimos na produção de bobagens como as telenovelas? Ok, comparações deste tipo não são válidas, eu sei, são culturas diferentes, propostas diferentes etc etc.

Bom, detalhes a parte, vamos dar uma olhada nas cenas daquele casamento de 1973. Dividido em seis partes, o filme começa com uma significativa entrevista do casal a uma revista feminina. Já aí percebemos todas aquelas fragilidades típicas de uma aparente perfeição. Mais tarde, no jantar, um casal de amigos resolve lavar a roupa suja e o “casal perfeito” apenas assiste perplexo aquilo que pouco tempo depois ele mesmo irá protagonizar. Foi dada a largada: Marianne e Johan iniciarão uma viagem sem volta às profundezas de seus recalques, angústias e inseguranças.

São muitos os momentos fortes do filme, mas o episódio Analfabetos é, em minha opinião, aquele que mais deixa a mostra a total inconstância e irracionalidade vivida por pessoas ditas saudáveis e inteligentes. Em um ápice Johan chega a dizer para Marianne: “Meu Deus, como eu te odeio. Eu pensava isso com frequência. Principalmente quando fazíamos amor e eu sentia a sua indiferença. E quando eu via você, nua no bidê, limpando aquela porcaria que eu depositava em você. Eu pensava: odeio o corpo dela, o jeito que ela se mexe. Eu devia ter te espancado. Mas nós escapávamos, falávamos sobre como nos dávamos bem.” E, em outro momento, ela também acaba confessando: “Quantas vezes devo repetir que o que sinto por você é pena? Sabe o que eu acho? Você é muito ingênuo. Você acha que eu cheguei até aqui, comecei uma vida nova, pela qual agradeço todos os dias, para jogá-la fora e salvar você da sua miséria? Se eu não te achasse tão deplorável, riria na sua cara. Se você soubesse quantas vezes sonhei que matava você, esfaqueava você, matava você de pancada.”

É tão doloroso acompanhar essa degradação dos personagens como é doloroso perceber que quase sempre somos covardes e nos recusamos a enfrentar nossos próprios demônios. O que vejo é uma discussão que não está nem um pouco ultrapassada, aliás, os casais hoje em dia parecem viver numa espécie de retrocesso, isto é, vamos de novo apenas ficando na superfície, fingindo que nos damos bem. São poucas as pessoas que têm a coragem de falar e agir, são muito poucas as pessoas que se permitem buscar algum tipo de originalidade e realização fora dos pseudo-manuais de “boa convivência”. As cenas daquele casamento de 1973 nos mostram o quanto a maioria prefere viver de aparência, se equilibrando em frágeis linhas que mais cedo ou mais tarde não aguentarão o peso de tanta hipocrisia. O final do filme é aparentemente tranqüilo, ligeiramente melancólico e, por que não dizer, ridiculamente patético?

Porém, aquele casal se enfrentou; enfrentou a velha e desgastada máxima que diz que nada é seguro e tudo desmorona o tempo todo. Marianne e Johan sabem que mesmo se reinventando sempre, não há garantias, não há certeza de nada. Quem sabe a única coisa a se fazer é ficarmos no meio da noite numa casa escura em algum lugar do mundo, como bem explicita o título do último episódio?

Título Original: Scener Ur Ett Äktenskap
Gênero: Drama
Duração: 299 min.
Ano: 1974 (Suécia)
Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman
Fotografia: Sven Nykvist

Elenco: Liv Ullmann, Erland Josephson, Bibi Andersson, Jan Malmsjö.

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