sexta-feira, 11 de março de 2011

Costa Gavras e a complexidade humana.


Infelizmente não conheço toda obra do cineasta grego Κώστας Γαβράς. Missing (1982) foi minha primeira experiência e confesso que à época o que mais me chamou a atenção foram as interpretações viscerais de Jack Lemmon e Sissy Spacek. Estava começando a fazer teatro e pensei como seria incrível alcançar aquele nível de interpretação. De lá para cá assisti a mais alguns (aliás, preciso rever todos eles): Atraiçoados (1988), Music Box (1989), O quarto poder (1997) e, mais recentemente, Amém (2002) e O corte (2005). Ou seja, ainda não vi o mais famoso Z (1968) e aquela é considerada sua obra-prima: Seção Especial de Justiça (1975). Bom, estejam certos, farei sessões extras para botar tal filmografia em dia, afinal de contas, acabei de comprovar o impacto que Music Box causa em seu espectador.

Imaginemos uma vida tranqüila: filha, pai, irmão, neto... Uma carreira bem sucedida e a paz do chamado “sonho americano”. É assim que a família da advogada criminalista Ann Talbot inicia a narrativa de Gavras. Tudo muito correto até o pai de Ann receber uma intimação do governo acusando-o de ser um ex-criminoso de guerra, um ex-torturador sádico que tirou a vida de muitos em uma Hungria recém saída da 2ª Guerra Mundial. Daí por diante o espectador vai começar a juntar as próprias provas – palavras, frases, gestos... Tudo servirá para que aos poucos entendamos o que realmente está por trás de tais acusações.

O filme (ao que parece) acabou de ser relançado em DVD. Infelizmente sem alarde, sem nenhum tipo de apelo comercial. Há tempos vinha procurando uma cópia, pois sempre quis tê-lo em minha coleção. Konstantinos Gavras não é um cineasta simplificador, pelo contrário, suas tramas sempre pedem para que saíamos do óbvio, que mergulhemos para além da superfície. Com essa pequena jóia não é diferente. O que aparentemente é uma simples confusão (ou uma armação comunista como muitas vezes é dito no tribunal) vai aos poucos se tornando um tratado sobre a eterna complexidade humana. O que impressiona é sabermos que o mesmo ser humano que estupra e mata com requintes de perversidade, é o mesmo ser humano que constitui uma família, provendo-a e amando-a. Somos capazes de forjar uma mentira com tanta veracidade, que a própria verdade se torna irrelevante e sem sentido. Será?

Ann Talbot é interpretada com maestria e sutileza por Jessica Lange e seu pai – Michael Laszlo - pelo brilhante Armin Mueller-Stahl. A relação pai e filha é desenhada pelos dois de maneira tão humanamente dolorosa que o diálogo final se torna paradoxalmente desumano. O filme prova de forma insigne que não podemos dizer que conhecemos alguém realmente, nem mesmo as pessoas com quem convivemos a vida inteira.

Recomendo o filme pela inteligência, pela coragem e porque o mal nem sempre está apenas nos lares desestruturados ou nas famílias de baixa renda. O mal e o bem estão em todos os lugares, em todas as pessoas, quer acreditemos nisso ou não.

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